Karina Miotto*
Uma informação divulgada em abril deste ano tem grandes chances de chamar muita atenção da comunidade científica, de ambientalistas e órgãos públicos. Os geólogos Milton Matta, Francisco Matos de Abreu, o engenheiro civil André Montenegro Duarte e o economista Mário Ramos Ribeiro, pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e o também geólogo Itabaraci Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirmam que o Aquífero Alter do Chão, que se estende pelo Amazonas, Pará e Amapá, é dono da maior reserva de água doce subterrânea do planeta. Vale lembrar que aquíferos não são rios existentes no subsolo, como muita gente pensa, mas um conjunto de rochas saturado de água.
De acordo com levantamentos científicos, o Aquífero Alter do Chão supera o volume de água do Aquífero Guarani, até então considerado o maior da América do Sul, localizado sob os solos do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. O Guarani tem 45 mil quilômetros cúbicos de água, cobre uma superfície de quase 1,2 milhões de quilômetros quadrados e 70,2% de sua área está localizada no Brasil - sua extensão espalha-se pelo subsolo de oito estados: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Enquanto isso, o aquífero situado na Amazônia ocupa três estados, tem uma reserva de água potável de 86.400 quilômetros cúbicos (aproximadamente 86 quatrilhões de litros) e espessura média de 575 metros. Como as informações disponíveis até o momento são preliminares, ele pode ser bem mais espesso, maior e volumoso do que isso.
Para se ter uma ideia do que as proporções descobertas deste aquífero significam, Milton Matta explica que com a quantidade de água existente nele seria possível abastecer não apenas os mais de 193 milhões de brasileiros, mas a humanidade toda – e por cerca de 100 vezes. “Claro que isso não é viável por questões geológicas, mas é preciso que fique clara a capacidade deste aquífero. Estamos dizendo que é o maior do mundo, agora só falta convencer a comunidade científica disso. Nós pegamos todo mundo de surpresa. É algo muito novo”, diz.
Para Fernando Roberto de Oliveira, gerente de águas subterrâneas da Agência Nacional de Águas (ANA), é perfeitamente possível que o Aquífero Alter do Chão seja de fato o maior do planeta. No entanto, salienta que ainda não existem provas que confirmem isso com certeza absoluta. “Eu acho um tanto quanto cedo para se fazer esta afirmação. Os conhecimentos são preliminares. Vamos ter uma possibilidade de afirmar isso com mais segurança quando tivermos informações com maior nível de detalhes”, diz.
De acordo com Matta, parte dos estudos que resultaram em novas informações sobre o Aquífero Alter do Chão foi subsidiada com recursos de outros projetos desenvolvidos pelos próprios pesquisadores – ou seja, sem ajuda financeira de patrocinadores. Os dados mais recentes obtidos sobre o assunto vêm da tese de doutorado em geociências feita por André Montenegro que, sob a orientação de Francisco Matos, investigou a potencialidade das águas na Amazônia. No entanto, para conseguir novas informações, não há outro caminho: será preciso pesquisar mais.
Por isso, os pesquisadores têm escrito um projeto, cujo título provisório é “Sistema Hidrogeológico Grande Amazônia: Fundamentos para Uso e Proteção da Maior Reserva de Água Doce Subterrânea do Mundo” para o qual pretendem, desta vez, contar com ajuda extra. “O Guarani é um aquífero menor e recebeu 30 milhões de dólares, nós só pedimos cinco e pelo menos mais quatro anos para coleta de dados. Precisamos determinar com precisão as reservas totais de água do aquífero, bem como seu modelo de uso e proteção”, afirma Matta.
A equipe pretende conseguir apoio junto a entidades nacionais e internacionais – uma delas será o Banco Mundial. Para facilitar a busca de recursos e evitar confusão com a vila turística de Alter do Chão, próxima de Santarém (PA), uma das estratégias será mudar o nome do aquífero para “Grande Amazônia”. “O impacto nos financiadores será outro”, conclui Matta.
O mapa abaixo mostra todos os aquíferos do país. Matta afirma que ele é a prova de que pouco se sabe sobre o potencial de aquíferos na região amazônica brasileira. A área em verde musgo mostra o suposto tamanho do Aquífero Alter do Chão.
Fonte: UFPA
Uso e valoração econômica
Mário Ramos Ribeiro defende a valoração econômica do futuro “Aquífero Grande Amazônia”, opinião também compartilhada por Francisco Matos. “Recursos hídricos não podem continuar sendo tratados como se fossem de ninguém, infinitos e sempre prontos para qualquer tipo de utilização. Neste contexto, a sociedade como um todo deve discutir como e quanto vai custar para retirar água dos aquíferos. A água como um bem em si é importante para manter o equilíbrio da floresta. A transferência de umidade para o centro-sul do Brasil faz chover e movimentar um agronegócio de 320 bilhões de dólares (dados de 2008), o equivalente a 20% do PIB brasileiro. Diante desses argumentos – e de outros que poderíamos elencar - ela precisa ser valorada”, afirma Matos.
As águas do Aquífero Alter do Chão já abastecem parte das cidades de Manaus, no Amazonas (dados apontam para 40%) e de Santarém, no Pará. Em trechos do material cedido à reportagem por um dos pesquisadores, fala-se na capacidade de “proporcionar água suficiente para indústria e agricultura”. Os cientistas apostam, portanto, nos diversos tipos de uso que se poderá fazer deste aquífero.
Para garantir que não haja superexploração, será feito um plano de uso e proteção do mesmo. “Vamos dizer quais áreas poderão ou não ser mexidas”, conta Matta. “Será indispensável um poder disciplinador para o uso socialmente sustentável desse recurso”, complementa Francisco Matos.
O anúncio e a comprovação de que sob os solos da Amazônia encontra-se a maior quantidade de água doce do mundo pode fazer saltar os olhos de muitos. Especialmente porque de toda água existente no planeta, menos de 1% estaria de fato disponível para o consumo humano. Outro dado importante é que toda água que pode ser vista na Amazônia (rios, chuvas, lagos) representa apenas 16% do total existente – 84% estão no subsolo.
Aquíferos x águas superficiais
De acordo com os cientistas, existem algumas vantagens do uso de aquíferos para o abastecimento de cidades em relação a águas superficiais. “A água é limpa, não requer tratamento. A construção de poços causa menos impacto ambiental, é barata - um de 50 metros de profundidade em Belém custa 12 mil reais e pode durar até 20 anos”, afirma Matta.
Outras duas vantagens seriam o fato de águas subterrâneas não ocuparem espaço na superfície e sofrerem menor influência nas variações climáticas, conforme explica o livro Aqüífero Guarani: A Verdadeira Integração dos Países do Mercosul, de autoria dos biólogos Nadia Rita Boscardin Borghetti e José Roberto Borghetti e do geólogo Ernani Francisco da Rosa Filho.
Apesar de estarem no subsolo a pequenas ou grandes profundidades, a água de aquíferos pode ser contaminada caso em suas proximidades sejam construídos lixões, fossas, cemitérios e grandes lavouras. “Em outra comparação com águas superficiais, se um aquífero é mais difícil de contaminar, também é mais complicado descontaminar. No caso do Aquífero Alter do Chão, já temos conhecimento de processos contaminantes que, se nada for feito, poderão alcançar as águas do subsolo”, diz Matta. Na dúvida, o mais coerente é proteger a área deste aquífero da melhor forma possível. Afinal, nele pode estar a maior quantidade de água doce (e potável) da Terra.
Karina Miotto é jornalista formada pela PUC-SP. Free lance do Grupo Abril, ama viajar e foi parar na Amazônia, de onde chegou a trabalhar para o Greenpeace e a escrever para as revistas Terra da Gente e National Geographic. É autora do blog Eco-Repórter-Eco e correspondente do ((o)) eco Amazonia.
Fonte: O Eco Amazônia http://oecoamazonia.com/br/reportagens/brasil/61-no-subsolo-da-amazonia-eis-o-maior-aquifero-no-mundo