Este blog está licenciado sob os termos do Creative Commons. Clique no ícone para maiores informações. Creative Commons License

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Histórico da concentração de terras no Brasil


De 1500 a 1822, todas as terras brasileiras pertenciam à Coroa portuguesa. Sua efetiva ocupação, porém, começou a ocorrer a partir de doações, ou cessões do direito de uso, feitas em nome de pessoas da confiança ou conveniência do rei. Inicialmente, foram estabelecidas as capitanias hereditárias, e, posteriormente, funcionou o sistema de doação de sesmarias. Nessas propriedades era praticada a agricultura do tipo plantation, ou seja, monocultura destinada à exportação e baseada na mão-de-obra escrava.
Entre 1822, ano da independência política, e 1850, vigorou no Brasil o sistema de posse livre de terras (terras devolutas), já que o Império não criou leis que regulamentassem o acesso à propriedade e não havia cartórios ou registros de imóveis. Ao longo desse período, a terra não tinha valor de troca, (ou seja, valor de compra e venda), possuindo apenas valor de uso a quem quisesse cultivá-la e vender sua produção. A possibilidade legal da obtenção livre da terra nos leva a imaginar que esse período tenha se caracterizado pelo surgimento de médias e pequenas propriedades, mas a realidade é outra. Ainda vigorava a utilização da mão-de-obra servil trazida forçadamente da África, e os escravos eram prisioneiros dos latifúndios, o que os impedia de ter acesso às terras devolutas no imenso território brasileiro. A entrada de imigrantes livres nessa época foi muito pequena e restrita às cidades.
Em 1850, esse quadro sofreu profundas mudanças, como conseqüência do aumento da área cultivada com café e da vigência da Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravos. Desse ano em diante, a mão-de-obra que entrava no Brasil para trabalhar nas lavouras passou a ser constituída por imigrantes livres europeus, atraídos pela propaganda do governo brasileiro. Se esses imigrantes encontrassem aqui um regime de posse livre de terras devolutas, lhes bastaria cercar um pedaço de terra para produzir alimentos, e poderiam se instalar ao redor das cidades como produtores independentes, em vez de trabalhar como assalariados semi-escravizados (regime de colonato) nas lavouras de café. Como a maioria desses imigrantes já chegava devendo o valor gasto com o transporte e a alimentação, e ainda tinha de comprar seus suprimentos no armazém da própria fazenda, eles se sujeitavam a jornadas de trabalho muito longas, sendo muitas vezes impedidos de sair em busca de melhores condições de vida.
Também em 1850 o governo criou, com o claro intuito de garantir o fornecimento de mão-de-obra barata aos latifúndios e impedir o acesso dos imigrantes à propriedade, o governo criou, também em 1850, a Lei de Terras. Com essa lei, todas as terras devolutas tornaram-se propriedade do Estado, que somente poderia vendê-las mediante leilões, beneficiando quem tinha mais dinheiro, e não o imigrante que vinha se aventurar na América justamente por não ter posses em seu país de origem. Ainda de acordo com a Lei de Terras, o dinheiro arrecadado nos leilões deveria ser utilizado no financiamento da viagem de novos imigrantes que se dispusessem a vir trabalhar no Brasil. Conclui-se de todos esses fatores que tal lei, além de garantir o fornecimento de mão-de-obra barata a os latifúndios, servia para financiar o aumento do volume de imigrantes que, ao chegar no Brasil, eram obrigados a se dirigir às fazendas, praticamente o único lugar onde podiam encontrar trabalho. A partir dessa época, a posse da terra, e não mais a de escravos, passou a ser considerada reserva de valor e símbolo de poder.
Nesse período, teve início no Brasil um perverso e violento processo de relação de trabalho, que existe ainda hoje em alguns estados do país: a “escravidão por dívida”, que antigamente vitimava os imigrantes estrangeiros e, hoje em dia, em alguns estados do país, ainda vitima muitos trabalhadores rurais e a população de baixa renda ou desempregada da periferia das grandes cidades. Os “gatos” (pessoas que contratam mão-de-obra para as fazendas) aliciam desempregados para trabalhar nos latifúndios, prometendo-lhes transporte, moradia, alimentação e salário. Ao entrar na fazenda, porém, os trabalhadores recrutados percebem que foram enganados, pois, no dia em que deveriam receber seus pagamentos são informados de que todas as despesas com transporte, moradia e alimentação, ao contrário do prometido, serão cobradas e descontadas do salário, que nunca é suficiente para a quitação da dívida. Policiados por capangas armados, esses trabalhadores são proibidos de sair da fazenda enquanto não pagarem uma dívida impossível de ser quitada com seu salário exíguo.
No início da década de 1930, em conseqüência da crise econômica mundial que se iniciou com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, a economia brasileira, basicamente agroexportadora, também entrou em crise. A região Sudeste, onde se desenvolvia a cafeicultura, foi a que enfrentou o maior colapso. Na região Nordeste, ocorreram novas crises do açúcar e do cacau, enquanto na região Sul, com produção direcionada para o mercado interno, os efeitos foram menores. A crise da década de 1930 foi uma crise de mercado externo, de produção voltada para a exportação. Foi nesse período que se iniciou, efetivamente, o processo brasileiro de industrialização, concentrado principalmente na região Sudeste. Outro desdobramento da crise foi um maior incentivo à policultura, voltada ao abastecimento interno, e uma significativa fragmentação das grandes propriedades, — os donos dessas terras vendiam-nas para se dedicar a atividades econômicas urbanas, sobretudo à indústria e ao comércio. Esse foi um dos raros momentos da história do Brasil em que houve um aumento, embora involuntário, do número de pequenos e médios proprietários rurais.
Em 1964, o presidente João Goulart tentou redirecionar o papel do Estado brasileiro do setor produtivo (investimentos governamentais em energia, transportes etc.) para o setor social (educação, saúde, habitação etc.), pretendendo também promover uma reforma agrária que tinha como princípio a distribuição de terras à população rural de baixa renda. Em oposição à política de Goulart e associada a fatores de origem externa como a Guerra Fria e a interferência norte-americana, ocorreu uma intervenção militar e, como conseqüência, a implantação de uma ditadura. Desse momento em diante, o grande capital agrícola começou a receber um enorme incentivo, quase sempre estruturado no sistema de plantation.
A partir da década de 1970, para tentar diminuir a demanda por uma reforma agrária, o governo federal, por meio do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), criou alguns programas de colonização e desenvolvimento regional, incentivando a ocupação territorial das regiões Centro-Oeste e Norte, por meio da expansão das fronteiras agrícolas. Dentre eles, destaca-se o Programa de Integração Nacional (PIN), o qual se apoiou na abertura de grandes rodovias e na instalação de agrovilas em meio à Floresta Amazônica, e cuja estratégia publicitária se estruturava basicamente em dois slogans: “Integrar para não entregar” e “Integrar os homens sem terra do Nordeste com as terras sem homens da Amazônia”. 
Além do PIN, foram criados o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste em 1971, o Programa Especial para o Vale do São Francisco, em 1972, o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, em 1974 e o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste, em 1974.
A história mostra, porém, que esses programas foram manipulados. O número de famílias assentadas foi insignificante, os impactos ambientais foram altos e quem acabou se instalando na Amazônia foram grandes latifúndios pecuaristas ou monocultores de empresas nacionais e estrangeiras que ganhavam a propriedade da terra sob a alegação de promoverem a integração do Norte e do Centro-Oeste ao restante do país. 
No Nordeste, o PROTERRA também gerou realizações duvidosas: áreas eram desapropriadas a pedido dos próprios donos, muitos deles políticos influentes, e pagas à vista e em dinheiro, e eram concedidos financiamentos subsidiados aos que desejavam continuar com suas atividades agrícolas. Nos nove estados da região, apenas 500 famílias foram assentadas ao longo desse programa.
Também nas regiões Sul e Sudeste, quase todos os subsídios e instrumentos de política agrícola foram direcionados aos grandes proprietários: empréstimos, estabelecimento de preços mínimos, armazenamento, assistência técnica e outros.
A concentração de terras ao longo da ditadura militar (1964-1985) assumiu grandes proporções, provocando o abandono de terras pelos pequenos proprietários, levando ao agravamento dos conflitos pela posse da terra. Muitas famílias foram para as grandes cidades , também atraídas pelo fortalecimento da indústria. Outras tantas passaram a lutar pela terra. No início da década de 1980, foi criado na região Sul o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem -Terra (MST). Na região Norte, o aumento dos conflitos levou à criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários e dos Grupos Executivos de Terras do Baixo Amazonas (GEBAM) e do Araguaia–Tocantins (GETAT). Na região do Araguaia–Tocantins se localiza a área denominada Bico do Papagaio, palco de grandes conflitos armados durante as décadas de 1970 e 1980.
Nos anos seguintes à criação desses órgãos, foram assentadas cerca de 38 mil famílias em projetos de colonização, essencialmente com a intenção de acalmar os ânimos, nas áreas de conflito, entre fazendeiros, de um lado, e posseiros e trabalhadores sem terra, do outro.
Ao longo de toda a ditadura militar, a média de assentamentos foi de apenas seis mil famílias por ano.
Em 1985, o governo José Sarney elaborou o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com a meta de assentar 1,5 milhão de famílias ao longo de seus quatro anos de governo. Porém, ao final de seu mandato (que o Congresso Constituinte aumentou em 1987 para cinco anos), somente 90 mil famílias tinham sido assentadas, a maioria em condições precárias de infra-estrutura e sem acesso a financiamentos.
No governo Collor (1990-1992), os assentamentos foram paralisados e não houve nenhuma desapropriação de terras para fins de reforma agrária. Já o governo de Itamar Franco (1992-1994) realizou o assentamento de 80 mil famílias.
No final de 1994, após 30 anos da criação do Estatuto da Terra e seis anos depois de promulgada a Constituição de 1988, o total de beneficiados pelo Governo Federal e pelos órgãos estaduais em projetos de reforma agrária foi de aproximadamente 300 mil famílias. Ao longo dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), cerca de 500 mil famílias foram assentadas — metade das quais, segundo estimativas, em condições precárias de infra-estrutura.

MOREIRA, João Carlos, SENE, Eustáquio de. Geografia:volume único. São Paulo: Scipione, 2005.

ATIVIDADE: Ler o texto para discussão na próxima aula e PESQUISAR os termos (no caderno): 
a)    Grileiro/ grilagem
b)    Posseiro
c)    Peões
d)    Sem-terra
e)    Bóias-frias
f)   Invasão/ocupação
g)     Assentamento
h)      Agrovilas
i)    Terras devolutas
j)    Cultivos especulativos
k)    Fronteira agrícola
l)    Êxodo rural
m) Revolução Verde
n) Latifúndio
o) Minifúndio
p) Módulo rural
q) Módulo Fiscal
r) Estrutura fundiária

0 comentários:

Postar um comentário

Paisagens do mundo